Para Rafaela Bastos, sagrada bicampeã nacional de Boulder no passado sábado, em Odivelas, o amor pela escalada foi uma descoberta tardia, aos 20 anos. Mas, como acontece com quase todos os seus praticantes, esta tornou-se uma obsessão para a vida e, agora, aos 29, com títulos nacionais no Boulder e na dificuldade, a montra de troféus começa a recompensar a dedicação.
“A escalada foi-me apresentada já na faculdade, por um amigo. Antes disso, corria para manter a forma, mas mais nada. Fiz a minha primeira tentativa no extinto Rocódromo do Alvaláxia. Fiquei viciada desde o primeiro dia, comprei logo os pés de gato no segundo dia e no terceiro...o rocódromo estava fechado. Encerrou naquele dia, pelo que foi um bocado trágico (risos)”, recorda Rafaela.
Felizmente, o multicampeão nacional André Neres tinha aberto um Rocódromo e Rafaela pôde assim satisfazer o recém-adquirido vício.
“Na altura não conhecia o André, mas a comunidade da escalada era ainda mais pequena do que é hoje e rapidamente toda a gente se conhece e tornei-me amiga dele”, conta a campeã nacional, que na altura não sonhava que faria parelha com a grande figura da escalada nacional nas listas de campeões da FCMP.
Falando de estreias, Rafaela não esquece a primeira experiência competitiva, no Jamor, em 2011. Se bem que não pelas melhores razões: “Correu muito mal e saí muito envergonhada. Agarrei a express com medo... Quando desci, fui logo lá para trás cheia de vergonha, mas lembro-me do Leopoldo Faria a confortar-me dizendo que também acontecia ‘até aos profissionais’. Foi simpático, mas nunca me esquecerei.”
O arranque não foi o melhor, até porque, confessa Rafaela Bastos, não é um “talento inato”, antes uma trabalhadora dedicada: “Nunca tive muita facilidade a aprender a técnica, fazia tudo na base da força. Felizmente, um dia, lesionei-me no ombro.”
Não, não é gralha, Rafaela agradece mesmo à lesão: “Digo ‘felizmente’ porque foi essa lesão que me obrigou a abrandar e a concentrar-me na técnica para compensar, e isso fez com que aprendesse a escalar muito melhor.”
Fundamentais foram também, diz, escaladoras mais veteranas que a ajudaram. Casos de Maria João Cruz ou a antiga campeã nacional Kimi Kon. “A Kimi era uma referência para mim e com a ajuda dela e, no princípio, da Maria João, evoluí imenso.”
O caminho, ou talvez seja mais apropriado dizer “a escalada” da sua carreira levou-a aos títulos nacionais de Dificuldade e Boulder. Podia dizer-se que é uma pessoa competitiva, então?
“Sim, sem dúvida. Compito, antes de mais, comigo própria. Depois compito com as outras, mas de uma forma positiva. O progresso dos outros motiva-me a fazer melhor, tanto a competir como a treinar.”
O novo impulso que a FCMP deu à escalada nos últimos dois anos deu-lhe meios para colocar em prática esse desejo competitivo e está muito otimista: “O primeiro título nacional foi só em 2017 porque não competia muito, comecei a ser mais assídua com este novo investimento da FCMP. É verdade que nem tudo está perfeito, mas acredito muito neste projeto e acho que tem pernas para andar.”
Mas desengane-se quem pense que Rafaela Bastos é só competição e títulos, ou paredes artificiais, bem pelo contrário, como revela a sua grande ambição pessoal, o seu próprio “projeto”: “O meu projeto é ser cada vez mais forte, mas a verdade é que tenho um mais íntimo, e a curto prazo: escalar a Parede Grande, em Sagres. Tudo porque no ginásio do André havia um poster com a Isabel Boavida a escalar essa via. Eu escalava muito pouco, estava a começar, mas dizia para mim própria ‘um dia quero escalar aquela parede’. E é isso, quero escalar essa via e quero fazê-lo com a Isabel. Agora sou capaz.”